Mais uma das histórias, e essa, queridos leitores, me deixou levemente irritada.
Deve ter acontecido no comecinho de março. Não lembro ao certo, mas sei que foi uma terça-feira de manhã, um dos dias em que eu madruguei pra chegar ao Mackenzie e terminar de escrever uma matéria, provavelmente.
Bom, como o horário marcado era às 8h30 na praça de alimentação do Campus, eu deveria sair de casa entre 7h e 7h30 no máximo, pra chegar no horário certo. Como nunca podemos confiar no trânsito, é preferível sair mais cedo a sair no horário, pra evitar atrasos.
Pois bem, lá fui eu. Caderno? Check. Bolsa, estojo, agenda, carteira, dindim? Check. MP3? Check. Liguei a minha musiquinha e caminhei até o ponto da Avenida Santo Amaro.
Tudo lindo, até aí. O ônibus chegou - articulado, beleza! Estava cheio, mas tudo bem. Entrei, passei a catraca e encostei atrás de uma das cadeiras, do lado da porta.
A musiquinha estava legal, alternando com umas notícias da manhã. Manchetes dos principais jornais do país, imagino. Até que eu começo a ouvir uma voz... E não, não, eu não estava louca, muito menos tinha ingerido alucinógenos: a voz vinha de trás de mim.
Epa.
-E AQUIII, MEUS AMIGOS, AQUI É A HORA QUE OS SENHORES COLOCAM A MÃO EM SEUS CORAÇÃO!
Oi? Amigo, pera lá. São SETE da madrugada e o senhor está falando o quê??
Quando eu olhei, o cidadão estava segurando uma Bíblia, aparentemente toda amassada, mas ainda assim, conservando as suas mais de mil páginas. Era uma daquelas clássicas, sabe? Preta com o nome em dourado escrito numa capinha de plástico imitando couro.
-E ENTÃO ELE PASSOU POR TODAS AS PROVAÇÕES, ATRAVESSOU O DESERTO, PASSOU FOOOOOOOMERECUSOUCOMIDAEQUASEFOICONVENCIIIIIIIDOASERENDER!!
O moço estava pregando. Passando sermão, rezando, o que vocês preferirem. O que me incomodou não foi - simplesmente - o fato da reza estar sendo feita no meio do veículo LOTADO. Mas sim que boa parte dos passageiros não estava gostando do moço que falava alto. A maioria trocava olhares e bufava, revirava os olhos, xingava baixinho, pedia silêncio. Mas ninguém tinha coragem de enfrentar o humilde pastor do povão e fazer uma reclamação!
E o moço lá:
-MOISÉS LIBERTOOOU O POOOVO! PASSOU POR TUDO O QUE ELE PASSOU! E COM AS SEEEEEETE PRAGAS DO EGITO...
Amigo... Eram DEZ as pragas...
-...AS SEEEETE PRAGAS DO EGITO ELE FEZ O SOFRIMEEENTO PARAR!! COMO EU VOU FAZER COM OS SENHORES! ESTÁ TUDO NA BRÍBLA!!!
Essa é a parte que meus ouvidos entram em pane. Bríbla. Ele falou "Bríbla". Não, eu devo ter escutado errado.
-TÁ TUUUDO NA BRÍBLA, MEUS AMIGOS! VOCÊS PRECISAM OUVIR A PALAVRA E ACREDITAR NELA!
Sim, ele falou "Bríbla", eu não estava ficando louca. E foi daí pra baixo, coisas que eu nem tenho coragem de colocar aqui.
Agora vocês imaginem que, quando eu entrei no 669A o moço já estava falando. E assim ele continuou, durante 50 minutos, até o meio da Paulista.
Eu sou mulher, sou do signo de Escorpião, estava de TPM e indo de manhã pro Mackenzie. Óbvio que não era um dia comum, então o que eu fiz definitivamente não foi algo que eu faria em dias comuns.
Eu queria estabelecer contato com o cidadão, mas não sabia como. Eu queria pedir um descanso para os meus tímpanos, mas não podia ser grossaestúpidanojenta. Eu queria perguntar se ELE tinha perguntado pra alguém se podia falar daquele jeito. Eu queria fazer um monte de coisas e eu tinha certeza de que, apesar do monte de passageiros desaprovando a atitude dele, eu levaria uma resposta grossa ou então seria mandada pra uma sessão de descarrego.
A saída foi optar pela pergunta, mas tentando abrandar a voz e fazer um timbre mais tímido. E deu certo!
-Oi... Moço?... Com todo respeito... O senhor perguntou se podia falar assim?... Se as pessoas queriam escutar?...
A voz saiu como eu esperava. E a resposta dele também.
-TOOOOOOOOOOODOS DEVEM OUVIR A PALAVRA! VOCÊ TAMBÉM, MINHA SENHORA! A PALAVRA NÃO CHEGOU ATÉ VOCÊ, MAS ELA VAAAI CHEGAR! O SENHOR HÁ DE TOCAR O SEU CORAÇÃO!!! EU VOU CONTINUAR A FALAR!
Eu até tentei uma réplica, mas não deu tempo nem de respirar.
-Mas, moço... Olha...
-TOOOOODOS OUVIRÃO A PALAVRA! ELA DEVE CHEGAR AOS OUVIDOS DE TODOS!!! É O MEU DEVER! DEUS ME ENVIOU PARA ISSO! EU FUI MANDADO PARA CONVERTER VOCÊS!!!
A essa altura eu já estava roxa de vergonha por tentar uma manifestação pacífica e quase me enfiando no meu capuz - eu estava de casaco. De repente, um moço - o único - se manifesta a favor do nosso querido pastor, mandando um comentário que também havia sido previsto por mim, minutos antes da intervenção.
-Não tá gostando, vai de táxi!!
-NÃOOO, IRMÃOOO!!! - Céus, ele começou de novo. - ELA TEM QUE OUVIR A PALAVRA! ELA VAI SER CONVERTIDA, IRMÃO, ACREDITE EM MIM! A PALAVRA DE DEUS PELA BRÍBLA CHEGARÁ AO CORAÇÃO DESSA IRMÃ...
Já estávamos na Brigadeiro Luís Antônio quando eu resolvi intervir. Qual não foi a minha surpresa quando, depois dessa última resposta, depois do comentário do único ouvinte, ele parou de falar.
Meu Deus, ele parou de falar!
Sim, mas só por uns cinco minutos. - Eu acho que ele estava retomando a salivação. - Depois recomeçou a falar.
E qual saída eu tive? Aumentar a música e tentar abstrair, claro. E foi o que eu fiz! - E foi o que eu fiz até mais da metade da Avenida Paulista, quando ele se despediu de seu fiel seguidor, sentou num banquinho bem longe de onde eu estava - pra sorte dele - e parou de falar.
Abaixei a música e consegui ouvir meus tímpanos reclamando. Duro foi descobrir se era reclamação pelo moço ou pelos decibéis a mais que eu os fiz escutar!
Olha... Se eu contar, ninguém acredita!
Até a próxima!
IMPORTANTE: Gente, sou católica, acredito em coisas de várias religiões, também, e quero deixar bem claro que a minha irritação não foi com o fato de o discurso do moço ser o discurso religioso. Fiquei irritada como ficaria com qualquer um que ficasse falando alto dentro do ônibus por quase uma hora sem interrupções! Acho legal a diversidade de Sampa, mas acredito que, antes da liberdade de expressão existe a consciência. Consciência de que existem lugares, pessoas, culturas, que nem sempre são iguais às opiniões que a gente tem sobre algo. Pensei muito antes de escrever essa história aqui, mas acredito que valha a pena porque o cara era um figurão, sabe? E essa consciência de que o moço é diferente de mim, tem uma cultura diferente da minha faz parte da minha reflexão. Entendo a "missão" dele, mas também acho que um veículo público não é o melhor lugar pra proferir um discurso desse porte.
Tenho dito! ;)
quinta-feira, 9 de abril de 2009
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Dooooomi!!
ResponderExcluirGeente, esse ônibus tem história, heinnn!! Hahahaha... Olha, realmente, se contaar... hehe.
Pelo menos, rendeu alguma coisa... aposto que um monte de gente já segue seu blog, que, por sinal, tá muito booom!!
Tem todo o apoio pra continuar, rsrs! ;)
beeijão, queriida... Bom feriado!!
Geente, que senhor doido. Pode ter ceteza, que se fosse eu no seu lugar, teria dito a mesma coisa, só que no estilo isabelagrossaesempaciência de ser.
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